Eu estou musical esses dias. Não estou ouvindo nada novo, pelo contrário: o forró povoa a minha cabeça durante o dia inteiro de todos os dias, mas não por opção e escolha. Só que ontem eu estava a pensar sobre as diversidades musicais de nosso cotidiano axesístico. Tudo é axe, constatei. Até mesmo Caê, nosso ilustre mago das músicas erudito-bregas. Não falemos de Caê, deixemo-lo lá junto à Canô e seus milhares de séculos acumulados em sorrisos e sabedoria. O mote aqui é o pagode e sua evolução melódica e expressionisticamente corporal. Que venha o pagode!
Primeiro, lembro-me vagamente de como eu o conheci. Não sei, acho que com o 'É o tchan' e 'Terra Samba', quando ainda o pagode era uma forma de satisfação da periferia doida por um tipo de festividade pura e simples. Falavam sobre coisas do cotidiano, brincadeiras de criança, o buzú lotado e o povo trabalhador de um remelexo ainda parcialmente desconhecido. Bem, o 'É o tchan' dava já os sinais de onde iríamos com toda essa vontade de quebrar as cadeiras, vinda de lá do "vai compreender que o baiano tem o diabo no quadril", com aquela do "bota a mão no joelho, dá uma agachadinha, vai mexendo gostoso, balançando a bundinha". Tá, mas eles também tocavam aquela da "estátua, pã!", "passa lorão, passa gordinha, quero ver você passar por debaixo da cordinha". Só que ele, enquanto 'Tchan', assim como outros tantos, não foi suficiente para evoluir o gênero musical mais contrabandeado ao incoompreensível e absurdo trimilique engendrado por letras mais que sexuais, quase naturalistas. Nesta época remota, não fazíamos nada além de sambar de todas as formas possíveis e inimagináveis: sambávamos como as cariocas da escola de samba, sambávamos no 'miudinho'; sambávamos pulando pros lados com as danças do harmonia do samba - joga pro lado e pro outro, pescocinho para frente, mexe a cabeça e o pescocinho, se movimente(...); largávamos os braços pra cima e pro lado, na dança do "tá bonito, tá bonito, trá trá trá, é a dança do esquisito(...)"; sambávamos pros lados, um de cada vez, claro, sem o pulinho desta vez, com aquela música "quem foi que disse que fusca não sobe ladeira? (...) tá vendo aê, aê, aê (...)". Parece uma quimera ainda em processo de concretização ideal toda essa vivência que os meus primos nascidos em século atual, com certeza, não terão a oportunidade nem de perceber.
Depois, com o barateamento dos instrumentos musicais básicos para um grupo de pagode - cavaquinho, pandeiro, tan-tan e repique -, alastrou-se uma onda de sonho dantes pertencente à nata da escola de música da Universidade Federal e dos cantores com o dom dos gogós afinados e competentes: era só pôr um óculos escuros na cabeça, botar uma roupa descolada, de preferência um bermudão longo no joelho, com um tênis sem meia e uma camiseta bem regata. Essa foi e está sendo a receita de bolo para o sucesso pagodístico da piatã e itaparica FM. Daí surgiu um tipo de pagode que falava sobre homens e mulheres, normalmente um dando um belo corno shakesperiano no outro, ou da mulher 'miseravona' que não dava bola pra um carinha com este tipo de vestimenta, ou sobre um cara todo cheio de marra. O estilo desse meio-termo era: dançarinos no palco, aos montes, requebrando mais que toda a confederação internacional das 'negas do leite'. Até aí, menos mal que hoje, porque ainda sambavam alguns minutos, entre uma quebrada de cadeira e outra. E, mesmo que parcas, ainda haviam umas morenas rechonchudas de coxa e bumbum, no meio de dois ou mais machos magrelas e de mola, tentando achar o espaço no próprio universo dantes feminino e impulsionadas pelos homens da platéia que ainda gostavam de ver mulher dançando um pagode suado. Eu só não sabia, caros amigos imaginários, que este era o princípio do fim da "sambadinha".
Alguns anos depois me veio um tipo de dancinha meio esquisita. Os pagodes continuaram a valorizar um tipo de criação letrística que se sente em meio à ditadura militar, onde os censores, de prontidão, tirarão a bendita música de circulação. Os "duplos-sentidos" das composições não são, com efeito, o problema, pelo contrário, são a parte criativa e que reverencio desde então. Contudo, os temas são os repetitivos e continuativos atos sexuais, partes íntimas, posições de cópula, entre outros aí tantos que nem o "kamasutra" foi capaz de criar. É um tal de "rala a tcheca no chão, rala a tcheca no chão(...)". E não venham me dizer que cataremos, em plena festa na península de itapagipe, na ribeira, uma Tcheca e ralemos a cara e todas as outras partes da infeliz azarada cidadã no chão! não é isso, ninguém é menino. Uma outra que faço questão em citar é aquela do pica-pau, cuja letra é:
"Eu já falei pra você Pra você, pra você não marcar toca, A sua garota cresceu Tá dando água na boca, Já não é mais criança, É uma gata no cio. O meu cachorro latiu, Já fiquei sabendo, Ela não assiste desenho do lobo mau, Ela agora só quer ver o desenho do pica-pau, Êêêê êêêê pica-pau...".
Realmente essa foi baixa: 'ela é uma gata no cio, meu cachorro já latiu'. De cortar o coração. Isso é um retrocesso à idade da pedra lascada. E bote lascada nisso. E cuidado vocês mamães e papais de todo o Brasil: cuidado com suas filhinhas, porque o cachorro de casa, esse aí de nominho gravado no potinho com raçãozinha cara, pode ser o primeiro. Claro, o primeiro sempre será um cachorro, não temos pra onde correr. Outra letra muito interessante e filha dos anais da ditadura, cujos censores passaram por despercebidos, foi aquela do tabaco: "Eu te avisei, você tá proibida de fumar, mas você não pode sentir o cheiro do tabaco (...) Desce com a mão no tabaco, sobe com a mão no tabaco". Alguns têm a teoria de que essa é uma grande música que vai de encontro ao poder manipulador e deletério da indústria do cigarro. Outras músicas se desviaram desse mote para um tipo de composição de protesto social contra essa estratificação e preconceito com os moradores da periferia: "Eu não aguento mais vou desabafar, embaçaram na quebrada ta sinistro de aturar, invadiram nosso gueto tiraram a paz e o sossego toda noite, todo dia(...). Tome baculejo, toma baculejo, da onde você vem, pra onde você vai, mão na cabeça rapaz, tô ligado, tô sabendo você que é do movimento eu quero ver o documento". Muito sério isso. Outra muito interessante desse movimento é: "Oh Maria, você pediu eu vou te dar, tá rolando, tá rolando, tá rolandotá rolando, tá rolando tá rolando tá, A calcinha que você pediu, uma é três, duas é cinco... A policia chegou, não precisar corre ê, a gente tá de boa e vamos resolver. Peraê, peraê, peraê, não é assim que se faz Abordando o cidadão, que não é ladrão. Eu sou camelô, me orgulho da profissão, saio pra batalhar atrás do meu pão, não precisar agredir, olha o que tenho em mãos, meu grito é de guerra quem quer comprar, tá rolando, tá rolando, tá rolando, tá rolando, tá rolando tá rolando tá".
E, pra fechar a situação musical do pagode em nossa sociedade, termino aqui com um clássico do Parangolé que, ao meu olhar de estudante, fala sobre uma certa patologia conhecida como hidrocele. Eu nunca vi uma música gozar com a cara de alguém portador de alguma doença. Essa, realmente, conseguiu furar os anais, ou melhor, os testículos do grande cúmulo que é a música popular brasileira, representado pelo gênero mais irreverente e sem-noção: o pagode. Uma 'selva' de palmas, por favor!
"Isso vai te curar, Ovo de Avestruz!
Ovão, Ovão, Ovão, Ovão, Ovão, Ovão, Ovão...
Que ovo é esse hamburguer? parece ate de avestruz, eu vou pedir para JESUS, para fazer uma operação e diminuir esse ovão.
Que ovo é esse hamburguer? da para fazer varios omeletes, maior que bolas de chiclete,
pega o alfinete pra furar e para rasgar usar gilete.
Que ovo é esse hamburguer? parece ovo de carote, ovo de jegue, ovo de bode
e quando anda se sacode, corrote,corrote,corrote,corrote,corrote,corrote,corrote, corrote ovo de carote
corrote,corrote,corrote,corrote,corrote,corrote,corrote, corrote e quando anda se sacode".