quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Levitar dos colibris.

É tempo, é cedo, tarde e noite intensos.
Apressa o passo, represo os olhos, entrego o corpo e faço.
Trabalho, corro, examino, escrevo e cravo.
Vou longe, perto, converso e desabafo.
A pele aperta, a contenção navega no pesar amparado.
Não é medo mais, é vontade explícita.
É sede de água límpida,
é presunção aberta,
é ferida exposta e
vontade de curá-la;
Não há medo. Não há enseada ou baía,
porquanto grande o espírito vazou
na terra sem fim que o ancorava:
o espírito sumiu-se e assumiu o erro de crescer-se tonto.
É tempo, é cedo, é tarde infinita.
Faço, trabalho, acordo em mim.
Não é medo mais, é alguma coisa,
que em altura dessas,
vive já sem parar de querer não ser-te.

"... Se carece de definição, me sinto leve.
Céu azul na bolha de sabão,
que o vento rege, como folha ao coração.
Ao te refletir, o espelho em si
vira quadro ou vira arte,
Salvador Dali não ousou jamais imaginar-te".
- Leve, música de Jorge Vercilo. -

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

(Re)inventar.

Meus pés trilham a estrada que corro.
Solto-me pelo ar, vendo o horizonte intenso,
denso como minha pele negra,
como meus olhos coloridos
e cheios de esperança por tudo que virá.
Essa é a vida que construo a cada dia,
de tijolo em tijolo e argamassa quartzolit.
Não a quero muito sólida pois,
se em algum tempo, ela ficar pequena demais,
quero edificá-la e edificar-me outra,
maior e do jeito que me caiba em outra época.
É assim que espero viver, pelo que me vejo viva ainda
em espaço e tempo infinitos: nunca morrer-me,
sempre crescer-me, mudar-me para caber-me inteira
em chão, casa, terra, ar e coração.

"How I wish, how I wish you were here
We're just two lost souls
Swimming in a fish bowl,
Year after year,
Running over the same old ground.
What have we found?
The same old fears
Wish you were here"

Wish you were here, Pink Floyd.

domingo, 22 de novembro de 2009

Trigo.

Um olhar é mais que intrigante e irreversível para o que se pensa posteriormente. Um olhar, dois olhares, três... e assim vai o dia todo, entre olhares entreolhando-se, olho no olho, uma coisa meio louca e incontavelmente incontável. É bom isso, o frio na barriga desperta o corpo meio introspectivo ao som de algum acorde impensado. O que se faz depois? nada. Pára-se o parabrisa molhado, cheio de gotas apartadas pelo limpa-vidros. Elas não sabem, mas quando olhas para dentro do espectro de cores dentro delas, o olho reflete-se no meu parado, esperando a mira certeira do sim. Engraçado, intrigante, introspectivo e absolutamente lindo: os olhos entregam-nos. Para quem, ainda não sabemos. Para quê, então, nenhum rastro de ideação ilusória para resgatar as respostas. Simplesmente hoje, não sei bem o porquê (aliás, nunca o sei, é infinito isso), o sentido no seu olhar fez do meu sono e sonhos não quererem acordar-me neste domingo ensolarado.

sábado, 14 de novembro de 2009

O melhor dia do ano.

Ontem foi o meu melhor dia do ano. As coisas mais simples foram feitas, as mais chatas, resolvidas, as mais bestas, vividas com riso e sorvete da Mc Donald's. Soube ontem que amigos existem, mas que muitos não estão tão aí pra você no momento mais crítico, enquanto outros, mesmo com sono e de saco cheio do dia atarefado, fazem o possível e o impossível para agradá-lo, ver seu sorriso aflorar em rios de lágrimas de alegria. E, muito mais do que meu dia perfeito, foi o meu abraço e cheiro perfeitos, o som da voz doce e forte de quem sabe o que é música de verdade. E a faz com clareza e sinceridade, com o vício interior de soltar-se inteira para o mundo perceber o quão frágil é a existência, o quão simples são certas coisas, o quão duro e feio somos às vezes. Música é minha vida também. Foi meu primeiro amor, é minha segunda profissão, é minha casa favorita. E quando amo algo, amo do bom e do melhor. Sem querer jactar-me de bom gosto, mas o dia perfeito foi feito por causa do acaso, da minha escolha inusitada, da música que amo e gosto de ouvir pois a preferi em algum momento da vida. A saída sem pretensão, sem planos, um bilhete por acaso. O show perfeito, a chuva a molhar-me os cabelos escovados, os pisões e tropeços de muitos outros fãs em euforia, assim como eu, que ouvia e via serenamente e ferozmente a voz linda com palavras fáceis e poéticas. No fim, mais uma coisa inusitada: a simplicidade dantes estampada no palco, bem rente aos nossos pés, pisando o mesmo ladrilho do calçamento da saída do pátio. Mesma altura, mesma chuva e água mineral. Foi de uma nobreza aquele ato impensado, mas que me deu na telha pedir e que com um sim, fui agraciada em mil maravilhas e alegrias. Acho que ser artista é isso, é encontrar-se em todos os cantos, com todos os encantos próprios, com os outros que respeitem o que se escreve e canta; é estar no mesmo patamar após um cântico, com o inusitado, um abraço, um obrigada por fazer do meu dia, o melhor dia e mais perfeito deste ano que se enfim finda iluminado.

sábado, 17 de outubro de 2009

"No intento da vida urbana,
onde as luzes se acendem em vasta imensidão
escura do sol que se pôs,
Em que lugar procurar o amor?
Em que esquina ele se esconde?
A que horas seu trem chega,
em que estação desembarca?
Em que lanchonete irá saciar a fome
de viagem longa,
de passeio incerto,
de veraneio cego,
de intento à procura incessante?
Onde, meu Deus, em que ilha deserta,
em que ponto de ônibus,
em que praia deserta,
em que areia amarela, cinza, branca,
em que lugar do mundo, do universo,
em que constelação estará?
Fico a olhar o céu, cheio de encantamentos,
pensando na rua deserta e iluminada,
com seus muitos carros e transeuntes.
Penso que perdi alguma coisa nessa azáfama
diária, nesse lugar limitado, nessa casa acima
dos morros e casas".
...
...

domingo, 11 de outubro de 2009

Amigos.

Eu não sei viver sem eles. E quando vem chegando o fim-de-semana, ah, fico numa saudade! Claro, cada um tem suas vidas, seus outros amigos, família e namorado(a). Mas, mesmo assim, a saudade não sabe ou não se contenta. Ela vem, bate e perdura até a segunda-feira, quando os reencontro e nos damos bom dia. É bom saber também que eles me amam. E isso se torna óbvio, pois, quando se é amigo de verdade, e a recíproca é verdadeira, dá pra sentir a energia boa, o brilho nos olhos e o bem-querer que se emana de cada gesto e conversa fiada. Eu os amo muito, percebi outro dia. É, porque amor que é amor, não "dá assim tão na cara de vez". Ele "se achega", vem de mansinho, se instala e fica lá assoviando para o alto, com cara de coerência, sem esperar que seja notado. Aí, quando se vê, ele arregala os olhos e se pergunta em pensamento: dã, só agora você percebeu, bicho? E com os amigos a coisa é ainda mais linda e complexa. Mesmo chatos ou insuperáveis nos defeitos mais esquisistos, a incondicionalidade do sentimento é superior a quaisquer dúvidas. Interessante isso. Até porque, gente, é incrível como não se precisa fazer nada para conquistar um amigo: o amor acontece sem que a gente espere muito dele, sem que haja um sentido ou caminho a seguir. Essa é a verdadeira conquista, o verdadeiro propósito da vida doida que segue infinita. E eu amo muito meus amigos. Sinto a falta deles no meu dia-a-dia, nos meus estudos chatos, nas minhas noites de chuva onde não se tem nada para pensar ou fazer. Agradeço todos os dias ao pensamento cósmico que rege o universo, pelo complexo fato de ter cruzado os nossos caminhos e feito surgir o encantamento inicial, coisa que nutrimos a cada dia, com uma pitada de tapas e risos mágicos, com um monte de estresse e cheirinhos bobos, com uma meia caixa de cerveja numa sexta-feira de estudos e sono. É, assim é minha vida e meu amor por eles. Amigos são tudo, são a família que a gente escolhe diante de um mundo tão grande, cheio de maldades e desalentos que se sobrepõem a tanta beleza e felicidade escondidas em algum canto de olho ou apertar de mãos.
...
Amo vocês, seus pestes insuportáveis.
=]

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Chuva.

Você faz parte da minha vida e eu da tua, é inevitável! Tudo que nos cerca é nosso, é infinitamente e decoradamente nosso, relembrável e impossível de ser desmembrado. Não importa o quanto nós queiramos distância ou tentemos os 'desvínculos': somos um passado entrelaçado, mesmo que pouco, mas inesquecível, indelével. Vira e mexe, vejo alguma foto nossa, ouço alguma música que é a sua cara. E é incrível o quanto isso é tão presente, apesar de longínqüo no tempo, no sentimento e na memória inerte de coisa pouca.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Ode à primavera.

Chegaste quase, ó honrosa e doce primavera inefável.
Sinto seu cheiro permeando as torrenciais chuvas que tornam
o dia tão chato quanto é este meu coração diluviado que vos fala.
O queimor simples e manso que trazes é a salvação celestial
para os desalmados corredores do frio cinzento que habita o céu lá fora.
O vento, o silêncio, os pingos na calçada, nada é mais belo
que o início da vida nas árvores, muros e encostas dantes tórridas.
Eu sinto sim, cheiros mil, flores inundando os sonhares acordados,
os pesadelos infinitos que, num rompante da madrugada, acolhem-se
auspiciosamente na tua breve morada abrupta, de um novo coração trimestral.
Chegue logo, ó divina cor laranja que o sol insiste em pôr no raiar do dia;
Venha insípida e doce, transtornados pelo calor, pela vida que ascende,
pelas cortinas que acendem o flambejar do dia intenso e sudoréico,
mas lindo e cheio de rompante de vida.
Espero-te, ainda com uma leve e prévia saudade da brisa fúnebre,
que neste inverno fez-me pensar em ti tão premente.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Here comes the weekend.

Aí vem a boa nova, a andar calma pelos campos vastos de alguma coisa ainda imatura e tenra.
Sou eu quem cavalga num galope doce e cheio de lombalgia de outros tempos.
As nuvens não mais habitam o céu, meu coração tilinta e pulsa por ele próprio.
- Ah, como é bom o gozo de estar e ser novamente o eu dantes esquecido e despedaçado de outrora!
Sim, é "sol de primavera, que abre as janelas do meu peito", pois
"quando entrar setembro", essa boa nova sempre permeará os meus campos cheios de ternura e sonho.
"here comes, here comes the weekend..."

terça-feira, 7 de julho de 2009

Férias.

Quero-me absorto e imóvel por uns tempos.

Nunca vi amor doer em ser humano amado. Hoje o vi.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

E aí vem o São João!

É a melhor época e festa do ano, que as gentes do interior esperam ávidos e auspiciosos. Fui criada assim, em meio aos 'tracks', chuvinhas, vulcões e busca-pés que a meninada insistia em 'soltar' escondido dos mais cuidadosos pais e parentes. Aí, quando se via e ouvia, era aquele clarão e um estouro de estourar os tímpanos dos desavisados. Ai, como era bom ser menina naqueles velhos e idos tempos em que as festividades juninas eram isentas do comercialismo barato e ferrenho dos dias de hoje. Ir para a praça, toda enfeitada de barracas e bandeirolas, com os sanfoneiros, 'trianguleiros' (lê-se triangleiros, como diria meu amigo Cláudio) e zabumbeiros cantando "Minha vida é andar por esse país, pra ver se um dia descanso feliz..." era a diversão das cidadezinhas perdidas no oeste da minha 'Baêa'. Depois de vários anos morando na Bahia (entende-se Salvador, a capital desta), como diria meu tio Justino, muitos de nós não perderam esse intusiasmo de fazer os 'panos de bunda' e pegar um ônibus, cujo tempo gasto é de mais de 10 horas até a chegada nesse interior onde nasci, às margens do São Francisco. Ê, São Francisco véi! Palco de muitos 'São Joões' e também de muita presepada de minha infância.
...
Bem, quando eu fiz 13 anos, fui agraciada por minha tia para ir numa festa de São Pedro, que acontecia(e) em Oliveira dos Brejinhos, a pouco mais de 90 km de minha cidade, Ibotirama. Era fácil chegar lá, era só pegar um carro, dirigir por menos de 1h e pronto, estávamos nas Oliveira, toda enfeitada, cheia das bandeirolas, cada praça tocando uma banda diferente, com aquelas pessoas de vários lugares da região. Era um mundo novo que eu descobria. Fomos pois alugamos uma casa, iríamos ficar até o último momento de festa. E foi bom, ah, como foi bom. Nos anos seguintes a mesma coisa se repetia, era como um ritual ir pras Oliveira.
...
Eu só vim descobrir o São João adolescente aos 14 anos. Começamos a freqüentar Boquira, pois meu tio se mudara para lá na época. Desde então, nunca mais deixei de ir. É sempre o mesmo, sempre a mesma coisa de sempre, mas, o bom é que os forrós improvisados, os sanfoneiros e zabumbeiros não somem nunca de lá. Acho que é por isso que eu gosto: o gosto da cidade é bom, o cheirinho de chuvinhas, das bombas de mil, as crianças correndo pelo 'redondo' da praça principal; o boteco de Tchoulinha, Budago, Cambão e Sil, onde a gente pára para tomar várias 'canela de pedreiro'; a festa do 'ninguém sara mais' em Lula, com uma atração que ninguém sabe de onde veio e pra onde vai, mas que, não tem importância, porque é animado do mesmo jeito; o 'pinga-pinga' que Pró Paula organiza, onde a gente sai na rua com o sanfoneiro tocando e visita um monte de casas de vários fulanos de tal, que fazem bode assado desfiado e deixam uns vários potes de licor à disposição dos participantes; o forró do tutano, que a gente compra uma camisa e tem churrasco de grátis; outros forrós lá, de outras galeras, que a gente invade também em algumas ocasiões, apesar das rixas entre os grupos, então não dá pra ser assim tão displiscente. Ê, é a Boquira véa!
'Apois' então, e aí vem novamente - graças a Deus! - o São João. Esse ano, não muito diferente dos outros, Boquira estará presente mais uma vez na minha vida. Depois dela, as Oliveira, para o São Pedro fechar com chave de ouro as minhas férias. Novidades novas? Sim, esse ano meus amigos farão parte deles comigo. E, com certeza, neste último São João da minha vida estudantil, quiçá até último por algum tempo depois, a 'jiripoca vai piar' com a gente cambaleando pelos ladrilhos da cidade a cantar "... vem cá cintura fina, cintura de pilão, cintura de menina, vem cá meu coração...".

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Eternal Sunshine of Spotless Mind.

"Eu sinto saudades. Desde aquele dia que eu não quis mais... .
Desculpa, eu ainda te amo. E tanto.
E eu precisava dizer isso para alguma coisa,
antes que essa coisa me faça entrar em parafuso,
porca, buraco, teia
e tudo mais que é labirinto dentro das veias."

656.352.487.983. abscesso cardíaco II.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Particípio.

Quero um leste sem destino em forma de púrpuro pêlo planando no ar.
Quero-me avião no ar.
Quero um, dois, mil rivais em forma de sol para aprumar corrida em medo explícito.
Quero-me rosa cálida, portanto.
Quero triste quem nunca amou, quem feriu e quem profere sempre as imperfeitas e viciadas desculpas por não saber acertar.
Quero-me triste, por conseguinte.
Quero um lamento pungente, trôpego, gritado e que estoure os tímpanos dos que não sabem chorar.
Quero-me a gritar, então.
Quero-me rosa, pêlo, em medo, em terra, em vôo imperfeito; chorando e tristemente gritando todo o pungente coração que trago, atraso e me aconchego dia após dia.
Quero escrever-te e hoje falar-te.
Quero-me celularmente capaz, se for.
Quero coragem em bicho solto pudicamente inconstante e liberto.
Quero-me virgem, no entanto.
Quero-me a querer-te. Por só assim ser. Pois só assim sei ser sendo.

"Vou mostrando como sou
e vou sendo como posso,
jogando meu corpo no mundo,
andando por todos os cantos
e pela lei natural dos encontros,
eu deixo e recebo um tanto e passo aos olhos nus
ou vestidos de lunetas,
passado, presente,
participo sendo o mistério do planeta..."
Mistério do Planeta - Novos Baianos

terça-feira, 5 de maio de 2009

Partida da chegada inesperada

Um vento sopra
e um uivo entra em casa.
- Sou eu, amor. Chego-me para
não ter-te.
Estava a partir naquela tarde:
parti-me no mesmo instante.
Por que disseste, ó vento?
Quem chegara é um passado já
esquecido por mim.
Lamúrias muitas e solidão encantada!
É lindo ficar exposto.
É lindo estar um ante-ser e pensar
o lindo mar de rosas que destruí,
por estar fétido de rancor e lamento.
Nunca mais usarei próclises.
Tudo agora é sempre depois
na minha vida.

.495.861.207. abscesso cardíaco .

segunda-feira, 16 de março de 2009

O pendulo lunar II

A minha janela da alma indiscreta pairava sob a imensidão daquele satélite tão naturalmente lindo e agora algoz da nossa finda existência. Naquela noite, a passear pela rua da ponte, conheci Charlie Chaplin. Ele estava a empurrar sua bicicleta pelos ladrilhos negros daquele bairro, bairro este em que lugar nenhum do mundo haverá de recordar e ter na mente, pois os 3 loiros que se salvaram do apocalíptico 33 de verdano, certamente não acharam um próximo chão para aconchegar os pés polidos e espoliados pela gravidade, pior para pensar em alguma coisa deixada naquela esfera gigantemente vermelha de magma e sangue. Minutos depois de uma quase conversa embaraçada pela timidez, trajado com os cadarços soltos em uma bota a cobrir seus tornozelos, todo de preto e branco, com pele e pano a se entrenharem um no outro.
Perguntei-lhe as horas e ele, a tirar seu relógio prateado de bolso, com um tique nervoso e notório que os olhos deixavam escapolir pelas suas pálpebras tão cheia de cílios incomodados, foi respondendo - 1/4 de hora para às ... , quando, um estrondo surgiu no meio do ar sombrio daqueles tempos. A terra inteira tremia sob nossos pés, num terremoto rasgante de sua carne. A lua pendurou-se no sol através de um fio de força forte, como se se agarrasse a ele pela mão, assumindo seu movimento pendular através das barreiras planetárias da galáxia que Charles Chaplin tanto insistiu em ironizar. Nesse momento, a lua conseguiu cortar a nossa iniciante conversa, a ponte, a terra inteira ao meio, numa fúria de destruição vã e desordenada. A terra expôs sua carne quente, sua lava escondida, desabando no meio do resto do mundo em pedaços esgarçados pela navalha do fio que prendeu sua amiga-irmã. Perguntei-me se era uma tentativa desesperada para fugir daquela prisão infinda. Charles Chaplin, ao ouvir o questionamento, fez-me cara de um terror agonizado, passando pela ironia trágica de algum outro tempo de um cinema sem vozes.
Minha alma caiu no magma. Sucumbi no sonho como um papel a sofrer calefação com o calor de alguma coisa mais forte que o fogo. A sensação de morte foi a de um alívio imediato. Como se a paz reinasse e fizesse a mente esquecer qualquer maldade do mundo e do que restou dele no vazio escuro. Algumas partes ainda clareavam aquele adro infinito, as vi enquanto subia para algum reino azul de luzes coloridas. A lua ainda estava lá, naquele insistente pêndulo em que ela fazia questão de se tornar. De repente, uma nave. Incrível como já previam a morte da terra por um ser desgovernado e tão próximos de nós. Cheguei para perto daquele rasante voador em velocidade incrível para pensar nos destinados a não deixar que morramos assim tão cruelmente. A criança loira consegue me ver através da janela de vidro límpido. Fixadamente choram consigo mãe e pai. Em algum lugar desse reino encantado, mesmo que em verdano ou sutarpo, não importa o mês, outra lua fará com algum planeta desordenado o mesmo rasgo de luz produzido outrora. Espero ver, em outro tempo e nave, Chaplin a navegar pelo espaço infinito atrás de um outro chão de semente de ar e água para continuar mudo nas telas de algum anteparo encantado.

quinta-feira, 5 de março de 2009

O pêndulo lunar I

Lá estava eu numa noite de quarta-feira, num ano qualquer e lugar comum. Estávamos brincando na areia de algum mangue perdido no interior do país, com aqueles mesmos rastros de artrópodes medrosos e conchas esbranquiçadas a cortar a planta dos pés dos enbriagados. Não me lembro muito dessa parte da conversa, mas sei que a felicidade tomava conta dos dedos e vozes. Ela tinha um tom meio sombrio naquela noite, eu não me lembro bem, mas era meio que uma despedida do lugar terreno, do estar em paz e indiferente aos problemas concretos do mundo. Ali, naquela areia branca, senti um frio na barriga, já meio acordado, meio sonolento, meio que ainda sonhando e dormindo os rostos felizes e amorosos daquela noite. Os dias passaram assim, na noite interminável, de uma semana interminável e de uma aurora cálida prateada que o céu iria sugar dias mais adiantes. Naquele ano, a lua estava tão próxima das nossas cabeças, que pensávamos em não tocá-la para não desordenar tanto a entropia e evolução do universo. Pensávamos que éramos nós a estarmos tão perto da lua.
Nos dias seguintes, andar pela rua era como desfilar numa passarela sem cor de anil. O mundo parecia um mataborrão inexorável, tirando o brilho de todo o viver daquela época. A noite era ainda mais incrível, cada vez mais a lua vingava seu clarão para muito próximo da minha janela de desejos e luzes da cidade. Achei que era dádiva. Achei, apenas, não me questionando o porquê das auras grãs pairantes no céu a procuravam tão veementemente. Ali começava o meu sonho. Ali, o pêndulo se fortificava ainda mais para tomar do sol o posto de futura gigante vermelha daquela galáxia incompreendida.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Outros tempos.

Folia certamente é um espaço virtual e gigantemente distante do meu mundo agora. Virá impávido, será cálido e inválido toda essa virtude de querer uma alcatéia de palavras vãs. Eu quero agora é estar, ser um não-dito, um palavrão aflito vagando pelo céu da boca de um vaga-lume. A ira realmente é a piedade que os homens tem de si mesmos.
...
Vagando na escuridão deserta de uma noite cheia de estrelas distantes, vi a penumbra de uma alma fria a vagar na imensidão. Pelos gestos, um homem; pela divindade da pele negra, um pecador hilário e condescendente com o mistério do planeta. Salvar o mundo é tudo um ilusório afã gratuitamente frígido. Um deus quer é ser visto. Eu, propositadamente, quero o espaço morto e infinito, acima das cabeças pensantes que acham que o mundo é simplesmente um instante de anos e acontecimentos findos. Peço por crer numa via-láctea, cheia de mornos e róseos lactobacilos energizantes e vivos.
...
Eu tinha um árduo desejo de chupar resina. Aquela mesma colhida nos pés de alguma árvore cinza e feia, como minha infância infantil pintara nos moldes do pensamento longínquo. Eu estava ali, a chupar resinas, cheias de um mel esquisito, que não era doce e nem amargo, era um meio termo de açúcar inexplicável e implacavelmente gostoso. O mundo, naquele dia, fez-se perigoso e azedo. Eu fui catar resinas. Não sabia se era perigoso perder-se em pés cinzas, cujos caules caíam sobre nossas cabeças em formas geometricamente imensuráveis. Na casa da "bisa", os baldes eram doces. Mais calmos ainda que no começo da jornada. E aquilo tudo que colhíamos era, simplesmente, simples, sem muito a oferecer, com o gosto mais da boca que chupava, do que propriamente o objeto colhido e docemente inofensivo. Minha boca era doce. Era tanto quanto eu chupava os geométricos disformes e açucarados caules em minhas mãos sujas de barro e sonho.
...
Nunca mais o vira em tantos anos após beijos e lençóis encobrindo as carícias infantis de suas mãos. Ele, meu primo. Meu primo de carne, osso e tentação. Ele era lindo em sua beleza mais distante que de quaisquer outros olhos acostumados com muitas coisas. Eu o beijava facilmente. E tinha por ele mais que outro sentimento de angústia e desespero. As férias eram curtas e, pelo nosso pesar infame, estávamos fadados ao desalento. Nunca mais o vira. Uma pena, pois era sempre bom o estar e o desamor de lençóis encobrindo um leito por onde a inocência era realmente o gosto bom daquelas tardes.
...

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Yemanjá ice

Ah, o verão!, como diria meu irmão. Ice é só o oposto do calorão que fez nas ruelas e becos perdidos do red river, bairro mais charmoso de Salvador, como eu diria sempre à minha amiga Raquel. No dia de Yemanjá, ele fica mais cheio de graça e gente. Os bons amigos sempre aparecem, tomam todas e varam a noite como chibungos por seus bares intermináveis e um Mercado do Peixe que não dorme. Esse dia será inesquecível no imaginário da GAlCa. - Desculpem, por obséquio, a intimidade deste relato, com suas siglas perfeitas e abençoadas pela rainha das águas salgadas... é que o dia e noite foram tão bonitos e charmosos e gigantes, que nunca mais beijos doces e demorados serão tão formosos quanto foram.
Odoiá.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Cansaço

Me bateu de repente um cansaço. É uma sensação de que não há nada para se procurar ou achar nessa vastidão de caos e coisa comum. Eu nunca mereci achar nada, quer dizer, sempre acho o achível, o tão logo às vistas. E ainda me surpreendo. Não deveria, é certo, mas a esperança há sempre de ter um lugar nesse meu mundo instantâneo. É como um pacotinho de gelatina de morango, que precisa de água morna e fria para se fazer instantaneamente um gel rosado. E que pelo calor, vira líquido. Meio torto isso, é muita mudança para que o clima seja um simples modo de se variar as coisas. Pior disso tudo é que não dá para não ser assim, achista de coisa alguma, um saber dourado sobre as coisas e caos do mundo. Para tudo se tem uma idéia, para nada se tem um pensamento calado e os olhos distantes em algum canto da sala. Desisti de procurar ou achar algo. É cansaço mesmo, Álvaro Ricardo Alberto Fernando. É um cansaço dorido de cór e salteado que a língua traduz em cãimbras e silêncio.

"Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.
(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo. Confesso: é cansaço!... "
(Álvaro de Campos)

domingo, 4 de janeiro de 2009

Pitoresco

Pitoresco. Essa é a palavra para o meu início de ano ímpar. Foi um momento de estar com a família, tudo muito lindo e certo e tudo mais, fechando com chave de ouro o ano num show de arrocha, com uma banda engraçada, composta por três dançarinas, uma loira, duas morenas, todas com um shortinho malhação e tops coloridos, um cantor muito figura, que estava a cantar e bailar com uma das dançarinas no momento da música "não vale mais chorar por ele..". E isso tudo em pleno interior da Bahia, num clube metido num pé-de-serra, cheio de pessoas vestidas numa chiqueza que saltava às vistas. Eu nunca me vesti muito assim chique depois de ter conhecido os reveillóns praianos do litoral norte e salvador. De fato, usar uma havaiana cheia de bordados de pedrinhas é bem mais interessante do que estar num salto 15 ou scarpan com o tornozelo todo dolorido. Bem, após essa virada com a família, churrasco e um monte de cerveja, nesse clube amanhecemos o dia. Vi o sol raiando assim meio tímido em meio às nuvens cúmulo-nimbo, mas que davam um tom especial para a primeira manhã de 2009. Saímos ao som de "abre, abre, abre, abre, abre... ô, ô, ô...", e com o cantor se despedindo, clamando a presença do público em outra festa de um outro dia que viria ocorrer. E com mais arrocha, óbvio. O nome da presença: Edimilson Batista, outra figura ilustríssima, com um visual que só vendo mesmo. Indescritível. Uma coisa de outro mundo. E com aquela voz fanhosa de sempre dos cantores de arrocha. No dia que raiou bonito na primeira manhã desse ano ímpar, uma festa na praça local. Uma coisa especial nesse dia ocorreu: pela primeira vez, nesse primeiro dia ímpar, do ano também ímpar, percebi que novos ares e energias impermearão esse novo ano que começara. Senti um medo gostoso, de um sabor meio amargo-doce. E foi tão bom tê-lo, pois foi a certeza de que 2009 será o melhor ano dessa primeira década do século 21, então vivida com alguma pouca certa lucidez.