segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Cansaço

Me bateu de repente um cansaço. É uma sensação de que não há nada para se procurar ou achar nessa vastidão de caos e coisa comum. Eu nunca mereci achar nada, quer dizer, sempre acho o achível, o tão logo às vistas. E ainda me surpreendo. Não deveria, é certo, mas a esperança há sempre de ter um lugar nesse meu mundo instantâneo. É como um pacotinho de gelatina de morango, que precisa de água morna e fria para se fazer instantaneamente um gel rosado. E que pelo calor, vira líquido. Meio torto isso, é muita mudança para que o clima seja um simples modo de se variar as coisas. Pior disso tudo é que não dá para não ser assim, achista de coisa alguma, um saber dourado sobre as coisas e caos do mundo. Para tudo se tem uma idéia, para nada se tem um pensamento calado e os olhos distantes em algum canto da sala. Desisti de procurar ou achar algo. É cansaço mesmo, Álvaro Ricardo Alberto Fernando. É um cansaço dorido de cór e salteado que a língua traduz em cãimbras e silêncio.

"Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.
(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo. Confesso: é cansaço!... "
(Álvaro de Campos)

domingo, 4 de janeiro de 2009

Pitoresco

Pitoresco. Essa é a palavra para o meu início de ano ímpar. Foi um momento de estar com a família, tudo muito lindo e certo e tudo mais, fechando com chave de ouro o ano num show de arrocha, com uma banda engraçada, composta por três dançarinas, uma loira, duas morenas, todas com um shortinho malhação e tops coloridos, um cantor muito figura, que estava a cantar e bailar com uma das dançarinas no momento da música "não vale mais chorar por ele..". E isso tudo em pleno interior da Bahia, num clube metido num pé-de-serra, cheio de pessoas vestidas numa chiqueza que saltava às vistas. Eu nunca me vesti muito assim chique depois de ter conhecido os reveillóns praianos do litoral norte e salvador. De fato, usar uma havaiana cheia de bordados de pedrinhas é bem mais interessante do que estar num salto 15 ou scarpan com o tornozelo todo dolorido. Bem, após essa virada com a família, churrasco e um monte de cerveja, nesse clube amanhecemos o dia. Vi o sol raiando assim meio tímido em meio às nuvens cúmulo-nimbo, mas que davam um tom especial para a primeira manhã de 2009. Saímos ao som de "abre, abre, abre, abre, abre... ô, ô, ô...", e com o cantor se despedindo, clamando a presença do público em outra festa de um outro dia que viria ocorrer. E com mais arrocha, óbvio. O nome da presença: Edimilson Batista, outra figura ilustríssima, com um visual que só vendo mesmo. Indescritível. Uma coisa de outro mundo. E com aquela voz fanhosa de sempre dos cantores de arrocha. No dia que raiou bonito na primeira manhã desse ano ímpar, uma festa na praça local. Uma coisa especial nesse dia ocorreu: pela primeira vez, nesse primeiro dia ímpar, do ano também ímpar, percebi que novos ares e energias impermearão esse novo ano que começara. Senti um medo gostoso, de um sabor meio amargo-doce. E foi tão bom tê-lo, pois foi a certeza de que 2009 será o melhor ano dessa primeira década do século 21, então vivida com alguma pouca certa lucidez.