sábado, 24 de abril de 2010

ô, peste, que saudade da mulesta!

Ah, estou em clima de São João. Como toda boa interiorana velha de guerra, adoro um forró, daqueles de Gonzagão, com zabumba, triângulo e sanfona, num quintal de roça perdida no meio do verde das diversas plantações de mandioca, cana, arroz e árvores de frutas diversas. Lembro-me das Oliveira, da Boquira véa, da Ibotirama no tempo que eu era 'tititica' e o São João era comemorado na praça, com várias crianças a soltar escondido os fogos mais perigosos para a idade. Também até hoje gosto, ouço e canto algumas bandinhas meia-boca, como Mastruz com Leite, Cavalo de Pau e outras antigas músicas remosas, que embalaram muitas das minhas presepadas do meio do ano. Ah, como eu gosto do São João. Para mim, é a melhor época do ano. É quentão, amendoim, friozinho, forrozinho no meio do salão, as pessoas na praça a passear trôpegas pelo clima quase que europeu nessas bandas dos trópicos. Quem não se lembra de "...meu vaqueiro, meu peão, conquistou meu coração na pista da paixão e valeu, boi!"? Gente, fez um sucesso danado! Ai, como era boa essa época. É, não me canso de repetir: adoro o São João!

"A gente bem que podia
Se juntar de vez
Compartilhar de novo do nosso sertão
Acordar ouvindo
O chocalho da rês
A gente bem que podia
Se juntar de vez
Tá de manhã no curral
Tomar um leite mais puro
Cantar varrendo o muro
Do nosso quintal
Colher tomate, cebola
Banho de açude, almoçar
De noite um bom baião de dois
Pra que deixar pra depois
Se a gente pode se amar?"

Composição de Luís Fidélis, Baião de Dois, cantada por Mastruz com leite.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Ócio.

Um amigo, a quem ingenuamente emprestei meu livro 'O universo numa casca de noz', apresentou-me uma certa feita o ócio. Durante algumas tardes após filmes homéricos na Walter da Silveira, brincávamos de filósofos competentes para falar da mais recente descoberta da minha adolescência: a contemplação do mundo com a inércia invencível e desgarrada do ser humano. Ele falava do ócio e de suas variedades estratosféricas, em alguns rompantes de clareza e impulso, numa retórica sutil e despojada, como ele fazia sempre nas nossas tardes de segunda, tomando capuccino na ante-sala do cinema. Essa época era mágica, era mais uma descoberta da minha adolescência conturbada e doce, dos meus momentos com robustas e inusitadas idas à passeios de bicicleta em Pituaçu. Inúmeras vezes saíamos das aulas em São Lázaro para programas malucos que ele inventava e que, prontamente, eu aceitava. Como era simples pegar um 'buzú' em Itapuã para vermos o pôr-do-sol do Solar do Unhão. Sempre pensávamos que chegaríamos a tempo dos espetáculos, não importando as previsões climáticas, com ou sem nuvens de quaisquer tipos, ou na distância palpável e infalível a ser percorrida em curtos minutos e que torcíamos sem duvidar que fosse vencida. Nunca levantávamos hipóteses outras que não o pronto sim da ponta da língua, que não saía de nossas vidas.

Nessas idas e vindas com essa figura, entre conversas e discussões, cervejas e pizzas, ouvíamos a música da vida a tocar sempre no nosso caminho. Além do ócio, tão debatido em suas diversas formas de mostrar-se para nós, a trilha sonora de vários dias seguidos conturbava, às vezes, ou quase sempre, os outros amigos adjacentes às nossas loucuras infantis. Pedro Luís e a Parede, Maria Rita, Mundo Livre S.A., R.E.M., entre outros clássicos eram o diferencial daquelas tardes, contemplando sempre, invadindo sempre a nossa imaginação para elocubrarmos sobre o ócio, essa coisa tão impregnada na época. Lembro-me bem de suas palavras: "o ócio, para ser ócio, deve ser contemplativo, não existe ócio ativo, não existe ócio fora do ócio, fora da 'boresta', da 'maresia'... até o pensar é contra o ócio, pois para ser mesmo, deveríamos não pensar. Por isso, podemos ter o ócio contemplativo, aquele que é desprovido de qualquer pensamento, e o ócio produtivo, aquele em que só se pode pensar, a única coisa e esforço que podemos fazer". Na verdade, justiça seja feita, não sei se exatamente foram essas as suas palavras, mas, foi o que ficou em mim daquelas tardes de ótimos meses que passamos sendo colegas de faculdade.

Muito tempo se passou e, cumprindo a lei da natureza e da vida, perdemo-nos um do outro, perdemo-nos nessa 'vida louca, vida'. Desde então, nunca mais o vi. Quer dizer, encontrei-me com ele coincidentemente durante uma volta dos Barris rumo ao Rio Vermelho, onde sempre terminávamos a nossa farra do dia. Durante a curta viagem de ônibus, falamo-nos rapidamente, cujas perguntas saíam azafamadas e as respostas, incompletas. Hoje, sinto saudades daquele tempo, onde era muito fácil viver, deslumbrar-se com o outro e com a própria vida. Não sei se, por culpa do entorno cruel de alguns problemas inevitáveis, ou por qualquer outro motivo, sinto-me diferente daquela criaturinha recém universitária, que acreditava poder fazer mudanças positivas para a sociedade, para o mundo, para o seu mundo. Às vezes eu gostaria de encontrar-me com ela, nem que fosse por poucos minutos. Perguntaria, principalmente, por onde ela andaria, porquanto, desde então, nunca veio a visitar-me novamente.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Eu tinha um propósito antes de pensar-me gente: solucionar os questionamentos do mundo, sanar as agruras da vida, procurar o caminho de volta. A verdade é que tudo não passa de uma grande ida, rumo ao infinito. E esse infinito, permeado de conversas fiadas e verdades explosivas, é simplesmente esclarecedor por si. O nosso problema é que tornamo-nos tão pragmáticos e insensíveis, que não enxergamos simplesmente. Hoje entendi uma parte da viagem, uma milésima parte da ida que, mesmo sem volta, diversas vezes rumamos num 'indo e vindo infinito' amiúde.


A viagem é uma só: sonhar sempre e fazer para sempre.