quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Zero. Rua dos bobos.
Número que representa o nada,
o "sem ter", um zero à sua própria esquerda.
Sozinho, imagina-se o vazio,
o nada enigmático e sartrianamente presente;
aquele que nos leva às respostas,
que nasce dos questionamentos do ser inconsciente,
predando os pensamentos prementes e implacáveis.
Não o vemos, não o tocamos.
Zero, simplesmente ele ali,
correspondendo à conotações de
erro, incapacidade, medo, tristeza.
Figurativo, o zero permanece
em meio às agruras do tempo, ou quando o ser vazio
e desprovido de questionamentos,
faz-se árvore morta e desprezível.
Zero: Rua dos bobos, número vazio...
Conjunto vazio, quando cortado ao meio;
balão ao vento do papel recém escrito,
quando tracejado na raiz, pintado em seu interior.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Ser médico.

É "não" estar do outro lado. Na verdade, não sabemos nada sobre quem entra.
Prontuários com palavras técnicas não dizem sobre o paciente que te espera.
Não dizem sobre a pessoa que está por detrás da doença ambulante.
Muitos têm a atitude de ir sentando, dizendo o seu sofrer e penar;
outros, aguardam envergonhados o sim do - por favor, fique à vontade;
alguns olham para o chão, poucos encaram;
a maioria tem olhos tristes, cansados, doridos.
Nós quase nunca sabemos sobre a vida, se sofrida ou alegre,
se vivida ou apenas cumprida,
de quem vai e vem nas filas dos postos e hospitais.
Só sabemos que eles vão, por alguma bobagem ou coisa séria,
com a recente ou crônica estranheza do seu corpo, mente ou alma doentes.
Eles querem somente entender o porquê da desconfiança pelo
mau funcionamento das juntas, estômago ou pensamento.
É o que querem. Querem apenas entender.
Mas, a maioria não compreende, sequer tem noção do que se passa, mesmo
tentando atingí-los com o coloquialismo que não aprendemos em escola alguma.
Porque, às vezes, não existe tradução para quem não conhece a própria língua.
Não há como entender. Não há como se fazer entendido.
E isso dói. Porque imaginamos a angústia do inteligível, do medo da morte e da deficiência.
E é só um porquê. E é extremamente difícil explicar. Muitas vezes impossível.
Mesmo assim, continuamos a rotina, auscultando, percutindo, ouvindo a história
que muitas vezes parece impossível, outras vezes parece paranóia e, ainda outras,
se encaixam perfeitamente em algum diagnóstico pronto nas nossas cabeças pensantes.
Depois, escrevemos, anotamos tudo, numa outra linguagem, traduzindo mais uma vez
algo que parecia simples e inofensivo, que às vezes ganha um significado cruel e amargo;
prescrevemos, carimbamos, assinamos: nos responsabilizamos pelo ato de diagnosticar e
tratar e instruir, somente com aquela história, com aquela ausculta e percussão.
Solicitamos exames, outras opiniões médicas, resolvemos casos e encaminhamos as pessoas
para uma outra fila, para uma outra jornada de um outro consultório, de um outro hospital.
A sensação que temos é que poderíamos fazer mais. Mas, muitas vezes, é quase impossível
fazer tudo que se quer, pois a vida, a morte, o pesar, as dores e os amargos da jornada
são ininterruptamente complexos e nós, nós somos apenas um em um grande consultório
de quatro paredes, com um estetoscópio na mão e muitas idéias na cabeça.
Infelizmente, somos apenas um, apesar dos sonhos.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Alento.

O pensamento é forte, exato, e imperfeito.
Prende-me ao futuro inexistente,
à quimera imprudente e itinerante:
sofro-me por querer, por sentir-me completo
com esse pensamento impaciente,
querendo concretizar-se, aparecer-se.
O que mais questionar ao universo?
Tantos porquês ridículos, jogados à ventania
da inconstância do meu querer.
Viajo, abro-me, apesar de tudo,
ao infinito desejo da minha alma romântica,
sendo-me em outro plano tudo o que ela quer.
Ó, almazinha de primaz suicídio, de burrice incessante!
E o pior do que não saber-se, é agarrar-se a algo
tristemente lúcido e torto, como se fosse coisa torta junto.
O pensar é forte; o pesar, o estrupício, o arreio da minha alma.
Acredito nele como se fosse meu veneno de vida e morte,
como se houvesse não mais que esta saída para a felicidade
e plenitude que a aguardam em um universo paralelo que nunca virá.
Quantos mais porquês terei de prescrutar até
virar-me o pó de que sou feita para, finalmente,
achar a resposta para tudo isso?

...

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A Soterópolis!

Vivi 12 anos de minha vida aqui. Eis agora, neste momento, que me despeço da minha cidade. Digo minha, pois eu a abraçei com todo o meu entusiasmo de moleca recém-chegada do interior da Bahia. Troquei o rio pelo mar, as serras e cheiro de terra molhada pelas ladeiras e asfaltos dessa grande e bela cidade. Troquei minha casa por pensionatos e repúblicas, amigos por recém-conhecidos, pessoas que foram e vão-e-vem na nossa vida. Troquei tudo: de roupas, de hábitos, de colchão. Lembro-me como se fosse hoje, logo na primeira semana que aqui cheguei, indo à loja da ortobom na avenida Joana Angélica, comprar meu primeiro colchão da Soterópolis. Eu nunca me imaginei nessa cena, retirando sessenta e poucos reais da carteira, como gente grande. É, eu havia crescido após uma noite no ônibus da Real Expresso, com lágrimas nos olhos, com saudades da minha mãe, irmãos, tios e avós. Lembro-me de quando acordei na rodoviária, um monte de gente esquisita, correndo pra todos os cantos, à procura de carrinhos para levar suas bagagens. Lembro-me de que eu desci, vendo toda aquela correria, com um milhão de malas para dar conta, com um sonho na cabeça, toda mirradinha e cheia de casacos pelo frio do ar-condicionado recém-desligado na estação. Engraçado, passaram-se 12 anos. Muitas coisas aconteceram. Fiz amigos de verdade, inimigos, chorei por alguns, outros me fizeram chorar, sumindo da minha vida. E cá estou eu, com meu sonho realizado, despedindo-me da cidade que eu escolhi para ser a 'minha cidade'. Sentirei falta do pôr-do-sol do Porto da Barra, das luzes da Cidade Baixa que dá pra ver só de passar pela avenida Contorno de ônibus. Sentirei falta do Rio Vermelho, meu querido bairro, com sua boemia noturna, seus beijus, acarajés e cervejas caras. Sentirei falta da minha casa, do meu irmão que deixo aqui perseguindo o sonho dele, que é meu também. Dos amigos, nem se fala. Eu fui muito abençoada pelos Santos e Orixás dessa terra, não tenho do que me queixar. Muitas pessoas boas, magníficas, passaram para tomar 'uma' no play do meu condomínio, tocaram violão no meu sofá. Despeço-me daqui com lágrimas nos olhos, com saudades de muita coisa, mas também com vontade de futuro, com pressa para conhecer outros lugares, outras gentes. A Soterópolis foi muito importante na minha vida. Fiz a escolha certa, eu sei disso. Hoje, volto para mais perto do meu Velho Chico, trocando mais uma vez o mar pelo rio, a certeza pela incerteza, descendo novamente em alguma rodoviária 'desconhecida', cheia de gente esquisita, mas com menos pressa, é certo. Obrigada, Soterópolis. E que os Santos e Orixás sempre abençoem essa terra boa que é a Bahia.

"...It must have been love but it’s over now
It must have been good but I lost it somehow
It must have been love but it’s over now
From the moment we touched til the time had run..."
[It must have been love, Roxette. Música que eu ouvi quando saí de Ibotirama em 1998.]

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Ratificando...

Impressionantemente abalável, inflável, com gosto de mel e ressaca de mar revolto.
Não quero mais nenhum tipo de sentimento 'ilhado, amordaçado', típico de defundo defumado.
Sinto agora a maior derrota de toda a fortaleza destroçada: bastilha incontestavelmente
abduzida e 'inconstruída' dos meus sonhos,
certeza bizarramente inconclusa e triste dos meus dias.
O que fez tudo isso em mim? Um grande nada aberto, pois só um sem sabor e desalento
pra machucar alma pura, aberta e certa.
Nunca vi nada errante desde a última vez.
É a última vez, certamente. Sempre será, até que o dia de esvair-se em coisa alguma,
que se chamara 'sonho, homem, estrada, viagem de ventania'.

Absorto-me.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Pedacoderio.news: O lá ele.

Não pude deixar de postar essa pérola que me enviaram por email. Geralmente não abro as proezas encaminhadas para 7478190748307481 pessoas. É, realmente, às vezes a gente pode perder algumas gargalhadas madrugais.

"O "lá ele" é uma das mais importantes expressões do idioma baianês, mais especificamente do dialeto soteropolitano baixo-vulgar. Segundo os léxicos, a expressão significa "outra pessoa, não eu" (LARIÚ, Nivaldo. Dicionário de baianês. 3ª ed. rev. e ampl. Salvador: EGBA, 2007, s/n).

A origem da expressão é ambígua. Alguns etimologistas atribuem seu surgimento às nativas do bairro da Mata Escura, enquanto outros identificam registros mais antigos no falar dos moradores do Pau Miúdo. O certo, porém é que o "lá ele" desempenha papel fundamental em um dos aspectos mais importantes da cultura da primeira capital do Brasil - a subcultura urbana do duplo sentido. Desde a mais tenra infância, os naturais da Soterópolis são treinados para identificar frases passíveis de dupla interpretação. Da mesma forma, os soteropolitanos aprendem desde cedo a engendrar artimanhas para que seu interlocutor profira expressões de duplo sentido. Assim, as pessoas vivem sob constante tensão vocabular, cuidando para não fazer afirmações que possam ser deturpadas pelo interlocutor. Para indivíduos do sexo masculino, por exemplo, é vedado conjugar na primeira pessoa inocentes verbos como "dar", "sentar", "receber", cair", "chupar" etc. O interlocutor sempre estará atento para, ao primeiro deslize, destruir a reputação de quem pronunciou a palavra proibida.

Como antídoto para a incômoda prática, o "lá ele" surgiu como uma ferramenta indispensável na comunicação do soterpolitano. Assim, o indivíduo que falar algo sujeito a interpretações maliciosas estará a salvo se, imediatamente, antes da reação de seu interlocutor, falar em alto e bom som "lá ele!". Por exemplo, qualquer homem, por mais macho que seja, terá sua orientação posta em dúvida se falar "Neste Natal comi um ótimo peru". Contudo, se sua frase for "Neste Natal comi um ótimo peru, lá ele!", não haverá qualquer problema. No mesmo diapasão, confira-se:

(i) se um colega de trabalho enviar um e-mail perguntando "vai dar para almoçar hoje?", não se pode redarguir apenas "Sim"; deve-se reponder "Vai dar lá ele. Vamos almoçar";

(ii) se, na pendência do pagamento de polpudos honorários, um advogado perguntar ao outro "Já recebeu?", a resposta deverá ser "Recebeu lá ele. Já foi pago";

(iii) ou, ainda, se alguém tiver a desdita a desdita de nascer no citado bairro do Pau Miúdo, o que poderá transformar sua vida em um interminável festival de chacotas, deverá sempre valer-se da ressalva: "eu sou do Pau Miúdo, lá ele".

Para melhor compreensão da matéria, reproduz-se abaixo um exemplo real, ocorrido no último domingo durante a transmissão do épico triunfo (vitória é coisa de chibungo, lá ele) do glorioso Esporte Clube Bahia sobre o Atlético de Alagoinhas:

- Locutor: "Subiu o cartão amarelo?"

- Repórter: "Subiu o amarelo e o vermelho."

- Locutor: "Mas você está vendo subir tudo!"

- Repórter: "Lá ele!"

Note-se que o "lá ele" pode sofrer variações de gênero e número, de acordo com a palavra que se pretende neutralizar. Se, antes de uma sessão do TJBA, alguém perguntar "Você conhece os membros da turma julgadora?", deve-se objetar com veemência: "Lá eles!". Ou se o cidadão for à Sorveteria da Ribeira e lhe perguntarem "Quantas bolas o senhor deseja?", é de todo recomendável que se responda "Duas, lá elas, por favor". A cultura duplo sentido oferece outros fenômenos da comunicação interpessoal. Veja-se, a título de ilustração, o sufixo "ives". Em Salvador, não se pode falar palavras terminadas em "u", principalmente as oxítonas. Independentemente de sexo, idade ou classe social, o indivíduo poderá ser mandado para aquele lugar (lá ele). A pronúncia de uma palavra que dê (lá ela) rima com o nome popular do esfíncter (lá ele) será prontamente rebatida com a amável sugestão. Para fazer face ao problema, a vogal "u" passou a ser costumeiramente substituída pelo sufixo "ives". Destarte, o capitão da Seleção de 2002 é tratado como "Cafives"; o Estádio de Pituaçu virou "Pituacives"; o bairro do Curuzu se tornou "Curuzives"; a capital de Sergipe sói ser chamada de "Aracajives"; e as pessoas que atendiam pela alcunha de Babu, com frequência utilizada na Bahia para apelidar carinhosamente pessoas de feições simiescas, há muito tempo passaram a ser chamadas de "Babives".".

=]

Viramundo.

Engraçado como algumas coisas acontecem. Há alguns meses atrás, estava eu em meio a um tumulto do cotidiano, nas minhas viagens loucas, no meu toque de recolher pessoal. Hoje, aqui vou eu, andando por caminhos ainda desconhecidos, mas andando, com um novo gosto de céu da boca na memória. É tudo tão recentemente esplendoroso que ainda não traduzirei em palavras. Se houver, assim que eu souber, avisarei a mim. Avisarei a quem quiser saber, a quem tiver paciência e pesar noturno virtual. Avisarei ao soturno céu que nos rodeia, ao ímpar pôr-do-sol do exato instante. Sabem o que há mais de engraçado nesta história? Acontecer o improvável, o "bem abaixo do nariz" que, na maioria das vezes, parece distante e impossível de ser alcançado.

sábado, 24 de abril de 2010

ô, peste, que saudade da mulesta!

Ah, estou em clima de São João. Como toda boa interiorana velha de guerra, adoro um forró, daqueles de Gonzagão, com zabumba, triângulo e sanfona, num quintal de roça perdida no meio do verde das diversas plantações de mandioca, cana, arroz e árvores de frutas diversas. Lembro-me das Oliveira, da Boquira véa, da Ibotirama no tempo que eu era 'tititica' e o São João era comemorado na praça, com várias crianças a soltar escondido os fogos mais perigosos para a idade. Também até hoje gosto, ouço e canto algumas bandinhas meia-boca, como Mastruz com Leite, Cavalo de Pau e outras antigas músicas remosas, que embalaram muitas das minhas presepadas do meio do ano. Ah, como eu gosto do São João. Para mim, é a melhor época do ano. É quentão, amendoim, friozinho, forrozinho no meio do salão, as pessoas na praça a passear trôpegas pelo clima quase que europeu nessas bandas dos trópicos. Quem não se lembra de "...meu vaqueiro, meu peão, conquistou meu coração na pista da paixão e valeu, boi!"? Gente, fez um sucesso danado! Ai, como era boa essa época. É, não me canso de repetir: adoro o São João!

"A gente bem que podia
Se juntar de vez
Compartilhar de novo do nosso sertão
Acordar ouvindo
O chocalho da rês
A gente bem que podia
Se juntar de vez
Tá de manhã no curral
Tomar um leite mais puro
Cantar varrendo o muro
Do nosso quintal
Colher tomate, cebola
Banho de açude, almoçar
De noite um bom baião de dois
Pra que deixar pra depois
Se a gente pode se amar?"

Composição de Luís Fidélis, Baião de Dois, cantada por Mastruz com leite.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Ócio.

Um amigo, a quem ingenuamente emprestei meu livro 'O universo numa casca de noz', apresentou-me uma certa feita o ócio. Durante algumas tardes após filmes homéricos na Walter da Silveira, brincávamos de filósofos competentes para falar da mais recente descoberta da minha adolescência: a contemplação do mundo com a inércia invencível e desgarrada do ser humano. Ele falava do ócio e de suas variedades estratosféricas, em alguns rompantes de clareza e impulso, numa retórica sutil e despojada, como ele fazia sempre nas nossas tardes de segunda, tomando capuccino na ante-sala do cinema. Essa época era mágica, era mais uma descoberta da minha adolescência conturbada e doce, dos meus momentos com robustas e inusitadas idas à passeios de bicicleta em Pituaçu. Inúmeras vezes saíamos das aulas em São Lázaro para programas malucos que ele inventava e que, prontamente, eu aceitava. Como era simples pegar um 'buzú' em Itapuã para vermos o pôr-do-sol do Solar do Unhão. Sempre pensávamos que chegaríamos a tempo dos espetáculos, não importando as previsões climáticas, com ou sem nuvens de quaisquer tipos, ou na distância palpável e infalível a ser percorrida em curtos minutos e que torcíamos sem duvidar que fosse vencida. Nunca levantávamos hipóteses outras que não o pronto sim da ponta da língua, que não saía de nossas vidas.

Nessas idas e vindas com essa figura, entre conversas e discussões, cervejas e pizzas, ouvíamos a música da vida a tocar sempre no nosso caminho. Além do ócio, tão debatido em suas diversas formas de mostrar-se para nós, a trilha sonora de vários dias seguidos conturbava, às vezes, ou quase sempre, os outros amigos adjacentes às nossas loucuras infantis. Pedro Luís e a Parede, Maria Rita, Mundo Livre S.A., R.E.M., entre outros clássicos eram o diferencial daquelas tardes, contemplando sempre, invadindo sempre a nossa imaginação para elocubrarmos sobre o ócio, essa coisa tão impregnada na época. Lembro-me bem de suas palavras: "o ócio, para ser ócio, deve ser contemplativo, não existe ócio ativo, não existe ócio fora do ócio, fora da 'boresta', da 'maresia'... até o pensar é contra o ócio, pois para ser mesmo, deveríamos não pensar. Por isso, podemos ter o ócio contemplativo, aquele que é desprovido de qualquer pensamento, e o ócio produtivo, aquele em que só se pode pensar, a única coisa e esforço que podemos fazer". Na verdade, justiça seja feita, não sei se exatamente foram essas as suas palavras, mas, foi o que ficou em mim daquelas tardes de ótimos meses que passamos sendo colegas de faculdade.

Muito tempo se passou e, cumprindo a lei da natureza e da vida, perdemo-nos um do outro, perdemo-nos nessa 'vida louca, vida'. Desde então, nunca mais o vi. Quer dizer, encontrei-me com ele coincidentemente durante uma volta dos Barris rumo ao Rio Vermelho, onde sempre terminávamos a nossa farra do dia. Durante a curta viagem de ônibus, falamo-nos rapidamente, cujas perguntas saíam azafamadas e as respostas, incompletas. Hoje, sinto saudades daquele tempo, onde era muito fácil viver, deslumbrar-se com o outro e com a própria vida. Não sei se, por culpa do entorno cruel de alguns problemas inevitáveis, ou por qualquer outro motivo, sinto-me diferente daquela criaturinha recém universitária, que acreditava poder fazer mudanças positivas para a sociedade, para o mundo, para o seu mundo. Às vezes eu gostaria de encontrar-me com ela, nem que fosse por poucos minutos. Perguntaria, principalmente, por onde ela andaria, porquanto, desde então, nunca veio a visitar-me novamente.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Eu tinha um propósito antes de pensar-me gente: solucionar os questionamentos do mundo, sanar as agruras da vida, procurar o caminho de volta. A verdade é que tudo não passa de uma grande ida, rumo ao infinito. E esse infinito, permeado de conversas fiadas e verdades explosivas, é simplesmente esclarecedor por si. O nosso problema é que tornamo-nos tão pragmáticos e insensíveis, que não enxergamos simplesmente. Hoje entendi uma parte da viagem, uma milésima parte da ida que, mesmo sem volta, diversas vezes rumamos num 'indo e vindo infinito' amiúde.


A viagem é uma só: sonhar sempre e fazer para sempre.

terça-feira, 30 de março de 2010

Vontade.

Muro! é simplesmente um muro, coração,
que faz-me atar os beiços diante do ineroxável
modo de viver uma doce e singela manhã de sol.
Vejo os tijolos a corroer-me, sangrando mãos e fé,
atordoados olhos e dedos tristes,
sem unhas para atirar-me ao outro espaço,
defronte e invisível, diante e infalível,
externo e tão intensamente dentro da minha alma.
Não quero saber o que virá por detrás do desconhecido:
quero-me indo através dele, impávido, rápido, com medo
e sem piedade dos pés sobre os espinhos.
Quero viver, coração! não importando o quão vistam-me
de ilusão nesta selva imaginária de segredos e guerras;
sem perceber o jorro amargo dos dias que passarão,
da doçura do mel que beberei instantaneamente por
algum mísero minuto num apiário visível e inacreditável.
Quero ir-me, somente. Quero adentrar tudo,
com facão e foice afiados,
para qualquer lida, qualquer ida ou volta,
para qualquer troco ou estrupício.
Quero... .

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Autópsia.

Olá, voltei. Após tantas mil páginas abertas antes desta, reporto-me a algo meio que esquecido nessa atmosfera atordoada que envolve o céu do Rio Vermelho neste instante. É bom voltar ao íntimo, ao seu predileto espaço virtual, com sua cara, com as fotos do Rio e da sombra de quem pisa o seco árido do solo dantes mar. Volto aqui e sinto-me gota, às vezes espessa e muitas vezes imarcescivelmente rala para formar uma superfície espelhada, perdida em alguma fresta de janela ou pedra. Mas, o importante é que volto, volto sempre para relembrar-me, tecer-me, mirar o passado e os sentimentos nos dias que foram atordoados ou simples; de muito riso ou lágrimas... porém, sempre criativos, eu diria! Porque viver é isso mesmo, dorido, instável, bom. Cada dia que volto aos ares cibernéticos das minhas palavras, traço curvas do crescimento interior, num gráfico cheio de sigmóideas e retas infinitas. Isso não tem serventia nenhuma, creio eu, até pq curvas assim são pros espíritos iluminados que aterrissaram nesse planeta. O meu espírito, ainda não pensei sobre ele, se o pusesse em escala alguma, não transcreveria uma ascenção ou decréscimo à primeira vista; penso que faria um círculo, como uma cobra tentando engolir a própria cauda, numa tentativa comestível de renovação contínua. Mas, será mesmo verdade esta leitura de mim? Acho que deva ser por isso que sempre volto, sempre reporto o meu estado momentâneo de renascença, ao vivo, no instante do booooooooom meteórico das reviravoltas descontroladas de mim. Ultimamente, apesar de ter esquecido deste portal para minha consciência, muitas coisas mudaram. E eu não consigo descrevê-las todas, pois são muitas, num espaço muito curto de tempo entre elas, quando perceptíveis. Às vezes, o mundo lá fora não nos deixa ver, não é mesmo?
Então, hoje resolvi escrever como se eu estivesse defronte do diário anual da escala geométrica da minha passagem terrestre. Escrevo-me a mim mesma. Escrevo-me para dentro, mesmo formando palavras aqui fora. E foram tantas as decisões neste fim-de-semana fulgás! Como se isto só provasse que os pensamentos são mesmo, além de à prova de balas, mais rápidos que quaisquer outros corpos em movimento, que o próprio tempo, que o próprio espaço que se move, irremediáveis. Viver é uma loucura. E, realmente, deveríamos antes fazer um teste-drive e escolhermos se realmente gostaríamos ou não de aceitar o desafio.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Sentido.

Hoje abracei os travesseiros. Hoje, impressionantemente hoje, fui buscar as chuteiras amarradas naquele tronco perdido no meio daquela floresta encantada de onde vim. Estranhamente pode parecer errado o regresso. Se está ou será, apenas o tempo vai mostrar o factível início do sim e do não. Querer voltar para o antes, para o mesmo, mesmo em outro tempo, em outra vida, em outro pacto, em outro assunto não me parece um efeito reverso. É só regresso. É só a volta, ou melhor, uma nova ida. O que buscarei além delas, amarradas onde desisti? saberei quando o primeiro nó do primeiro pé for apagado daquela estranha maneira de olhar o verde úmido e mais novo que dantes.
"tt's times like these, you learn to live again,
times like these, you give and give again,
it's times like these, you learn to love again,
it's times like these, time and time again".
Times like these, Foo Fighters.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

E segue...

Esses dias, desde o réveillon até esse último fim-de-semana antes do carnaval, foram laboriosos e interessantes ao mesmo tempo. Tenho cabeça apenas para os casos clínicos e assuntos mil que devo encrustar em minha cabeça até a prova no fim do ano. Gente, não é que está chegando mesmo? Virar gente é assim, complicado e gostoso. Às vezes bate um medo meio estranho, como se ainda fossemos embriões vendo a casca do ovo quebrar cedo demais. A coisa boa é que muita coisa está mudando para melhor, estou mais de palavras simples, sem querer muito impressionar o mundo lá fora. A única coisa que penso é de fazer tudo certinho, ser leal e fiel ao que aprendi e ao que sou. E assim, a vida vai seguindo, sem pressa pra algumas coisas, com uma azáfama para outras; sempre indo para frente, olhando para trás algumas outras tantas vezes para que o erro não se repita, para lembrar das coisas boas, para nunca perder a vontade de querer mudar o que está errado.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

2010.

Nesse início de 2010 foi tudo incrível: a chuva, a falta de energia elétrica que abastecia os freezers parcos de álcool e gelo. Tudo foi mágico: as milhares de contagens regressivas, pois cada relógio cabia uns minutos a mais ou a menos nesse tempo de milhares de mundos. Todos estavam lindos: vestidos brancos, para celebrar e pedir paz às forças cósmicas; amarelos, para que a prosperidade reine; verdes, para alguma coisa chamada esperança; com calcinhas vermelhas, para que o amor chegue neste novo ano de muitas expectativas. As cores, enfim, findavam na pequena rua mal-iluminada por gambiarras 220V, para uma corrente de 110V que chegava insistentemente. O meu réveillon não poderia ter tido outro sabor: era um agridoce ameno, com alguma coisa de céu ensolarado e de lua cheia que banhava aquela noite escura e de muitas cúmulo-nimbos. A chuva que caiu foi, certamente, para lavar as energias do ano que passara, trazendo novas auras e corpos novinhos em folha para os novos corações do novo tempo. Chegou 2010. Esse ano, que hoje completa 5 dias, será o meu ano. Será o ano de quem o elegeu para sua vida. Será o que quiser que ele seja, pois, a chuva e a falta de bebidas alcóolicas em uma vila perdida no vale mais lindo do planeta trouxeram a melhor lição que se poderia aprender nesses tempos de imaturidade e perplexidade: "somos responsáveis por aquilo que fazemos e, também, por aquilo que deixamos de fazer". Viva 2010!