segunda-feira, 16 de março de 2009

O pendulo lunar II

A minha janela da alma indiscreta pairava sob a imensidão daquele satélite tão naturalmente lindo e agora algoz da nossa finda existência. Naquela noite, a passear pela rua da ponte, conheci Charlie Chaplin. Ele estava a empurrar sua bicicleta pelos ladrilhos negros daquele bairro, bairro este em que lugar nenhum do mundo haverá de recordar e ter na mente, pois os 3 loiros que se salvaram do apocalíptico 33 de verdano, certamente não acharam um próximo chão para aconchegar os pés polidos e espoliados pela gravidade, pior para pensar em alguma coisa deixada naquela esfera gigantemente vermelha de magma e sangue. Minutos depois de uma quase conversa embaraçada pela timidez, trajado com os cadarços soltos em uma bota a cobrir seus tornozelos, todo de preto e branco, com pele e pano a se entrenharem um no outro.
Perguntei-lhe as horas e ele, a tirar seu relógio prateado de bolso, com um tique nervoso e notório que os olhos deixavam escapolir pelas suas pálpebras tão cheia de cílios incomodados, foi respondendo - 1/4 de hora para às ... , quando, um estrondo surgiu no meio do ar sombrio daqueles tempos. A terra inteira tremia sob nossos pés, num terremoto rasgante de sua carne. A lua pendurou-se no sol através de um fio de força forte, como se se agarrasse a ele pela mão, assumindo seu movimento pendular através das barreiras planetárias da galáxia que Charles Chaplin tanto insistiu em ironizar. Nesse momento, a lua conseguiu cortar a nossa iniciante conversa, a ponte, a terra inteira ao meio, numa fúria de destruição vã e desordenada. A terra expôs sua carne quente, sua lava escondida, desabando no meio do resto do mundo em pedaços esgarçados pela navalha do fio que prendeu sua amiga-irmã. Perguntei-me se era uma tentativa desesperada para fugir daquela prisão infinda. Charles Chaplin, ao ouvir o questionamento, fez-me cara de um terror agonizado, passando pela ironia trágica de algum outro tempo de um cinema sem vozes.
Minha alma caiu no magma. Sucumbi no sonho como um papel a sofrer calefação com o calor de alguma coisa mais forte que o fogo. A sensação de morte foi a de um alívio imediato. Como se a paz reinasse e fizesse a mente esquecer qualquer maldade do mundo e do que restou dele no vazio escuro. Algumas partes ainda clareavam aquele adro infinito, as vi enquanto subia para algum reino azul de luzes coloridas. A lua ainda estava lá, naquele insistente pêndulo em que ela fazia questão de se tornar. De repente, uma nave. Incrível como já previam a morte da terra por um ser desgovernado e tão próximos de nós. Cheguei para perto daquele rasante voador em velocidade incrível para pensar nos destinados a não deixar que morramos assim tão cruelmente. A criança loira consegue me ver através da janela de vidro límpido. Fixadamente choram consigo mãe e pai. Em algum lugar desse reino encantado, mesmo que em verdano ou sutarpo, não importa o mês, outra lua fará com algum planeta desordenado o mesmo rasgo de luz produzido outrora. Espero ver, em outro tempo e nave, Chaplin a navegar pelo espaço infinito atrás de um outro chão de semente de ar e água para continuar mudo nas telas de algum anteparo encantado.

quinta-feira, 5 de março de 2009

O pêndulo lunar I

Lá estava eu numa noite de quarta-feira, num ano qualquer e lugar comum. Estávamos brincando na areia de algum mangue perdido no interior do país, com aqueles mesmos rastros de artrópodes medrosos e conchas esbranquiçadas a cortar a planta dos pés dos enbriagados. Não me lembro muito dessa parte da conversa, mas sei que a felicidade tomava conta dos dedos e vozes. Ela tinha um tom meio sombrio naquela noite, eu não me lembro bem, mas era meio que uma despedida do lugar terreno, do estar em paz e indiferente aos problemas concretos do mundo. Ali, naquela areia branca, senti um frio na barriga, já meio acordado, meio sonolento, meio que ainda sonhando e dormindo os rostos felizes e amorosos daquela noite. Os dias passaram assim, na noite interminável, de uma semana interminável e de uma aurora cálida prateada que o céu iria sugar dias mais adiantes. Naquele ano, a lua estava tão próxima das nossas cabeças, que pensávamos em não tocá-la para não desordenar tanto a entropia e evolução do universo. Pensávamos que éramos nós a estarmos tão perto da lua.
Nos dias seguintes, andar pela rua era como desfilar numa passarela sem cor de anil. O mundo parecia um mataborrão inexorável, tirando o brilho de todo o viver daquela época. A noite era ainda mais incrível, cada vez mais a lua vingava seu clarão para muito próximo da minha janela de desejos e luzes da cidade. Achei que era dádiva. Achei, apenas, não me questionando o porquê das auras grãs pairantes no céu a procuravam tão veementemente. Ali começava o meu sonho. Ali, o pêndulo se fortificava ainda mais para tomar do sol o posto de futura gigante vermelha daquela galáxia incompreendida.