Lá estava eu numa noite de quarta-feira, num ano qualquer e lugar comum. Estávamos brincando na areia de algum mangue perdido no interior do país, com aqueles mesmos rastros de artrópodes medrosos e conchas esbranquiçadas a cortar a planta dos pés dos enbriagados. Não me lembro muito dessa parte da conversa, mas sei que a felicidade tomava conta dos dedos e vozes. Ela tinha um tom meio sombrio naquela noite, eu não me lembro bem, mas era meio que uma despedida do lugar terreno, do estar em paz e indiferente aos problemas concretos do mundo. Ali, naquela areia branca, senti um frio na barriga, já meio acordado, meio sonolento, meio que ainda sonhando e dormindo os rostos felizes e amorosos daquela noite. Os dias passaram assim, na noite interminável, de uma semana interminável e de uma aurora cálida prateada que o céu iria sugar dias mais adiantes. Naquele ano, a lua estava tão próxima das nossas cabeças, que pensávamos em não tocá-la para não desordenar tanto a entropia e evolução do universo. Pensávamos que éramos nós a estarmos tão perto da lua.
Nos dias seguintes, andar pela rua era como desfilar numa passarela sem cor de anil. O mundo parecia um mataborrão inexorável, tirando o brilho de todo o viver daquela época. A noite era ainda mais incrível, cada vez mais a lua vingava seu clarão para muito próximo da minha janela de desejos e luzes da cidade. Achei que era dádiva. Achei, apenas, não me questionando o porquê das auras grãs pairantes no céu a procuravam tão veementemente. Ali começava o meu sonho. Ali, o pêndulo se fortificava ainda mais para tomar do sol o posto de futura gigante vermelha daquela galáxia incompreendida.
Um comentário:
Prosa muito boa aqui neste pedaço de rio. Escreves muito bem, moça. Eu já tinha vindo aqui antes, por indicação de Sarinha, mas acabei não deixando registro, agora vou te linkar para voltar a navegar nessas águas literárias.
Esse lance de mangue e artrópodes medrosos me fizeram lembrar de uma coisa que o Chico (Science) falava:
Nos mangues, quando ocorrem tempestades muito intensas, o magnetismo dos raios parece causar alguma interferência no juízo dos caranguejos, pois eles saem desorientados, sem rumo, ou como as comunidades pesqueiras chamam... de andada. Acabam ficando expostos aos seus predadores. O Otto disse uma vez que o próprio Chico morreu de andada... indo sozinho de Recife pra Olinda, no carnaval, bateu o carro em um retão, lugar bem improvável de acidente.
Vixe, me alonguei demais né? Kkkkkk. Da próxima vez vou tentar ser mais sucinto.
Beijos querida.
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