quinta-feira, 22 de abril de 2010

Ócio.

Um amigo, a quem ingenuamente emprestei meu livro 'O universo numa casca de noz', apresentou-me uma certa feita o ócio. Durante algumas tardes após filmes homéricos na Walter da Silveira, brincávamos de filósofos competentes para falar da mais recente descoberta da minha adolescência: a contemplação do mundo com a inércia invencível e desgarrada do ser humano. Ele falava do ócio e de suas variedades estratosféricas, em alguns rompantes de clareza e impulso, numa retórica sutil e despojada, como ele fazia sempre nas nossas tardes de segunda, tomando capuccino na ante-sala do cinema. Essa época era mágica, era mais uma descoberta da minha adolescência conturbada e doce, dos meus momentos com robustas e inusitadas idas à passeios de bicicleta em Pituaçu. Inúmeras vezes saíamos das aulas em São Lázaro para programas malucos que ele inventava e que, prontamente, eu aceitava. Como era simples pegar um 'buzú' em Itapuã para vermos o pôr-do-sol do Solar do Unhão. Sempre pensávamos que chegaríamos a tempo dos espetáculos, não importando as previsões climáticas, com ou sem nuvens de quaisquer tipos, ou na distância palpável e infalível a ser percorrida em curtos minutos e que torcíamos sem duvidar que fosse vencida. Nunca levantávamos hipóteses outras que não o pronto sim da ponta da língua, que não saía de nossas vidas.

Nessas idas e vindas com essa figura, entre conversas e discussões, cervejas e pizzas, ouvíamos a música da vida a tocar sempre no nosso caminho. Além do ócio, tão debatido em suas diversas formas de mostrar-se para nós, a trilha sonora de vários dias seguidos conturbava, às vezes, ou quase sempre, os outros amigos adjacentes às nossas loucuras infantis. Pedro Luís e a Parede, Maria Rita, Mundo Livre S.A., R.E.M., entre outros clássicos eram o diferencial daquelas tardes, contemplando sempre, invadindo sempre a nossa imaginação para elocubrarmos sobre o ócio, essa coisa tão impregnada na época. Lembro-me bem de suas palavras: "o ócio, para ser ócio, deve ser contemplativo, não existe ócio ativo, não existe ócio fora do ócio, fora da 'boresta', da 'maresia'... até o pensar é contra o ócio, pois para ser mesmo, deveríamos não pensar. Por isso, podemos ter o ócio contemplativo, aquele que é desprovido de qualquer pensamento, e o ócio produtivo, aquele em que só se pode pensar, a única coisa e esforço que podemos fazer". Na verdade, justiça seja feita, não sei se exatamente foram essas as suas palavras, mas, foi o que ficou em mim daquelas tardes de ótimos meses que passamos sendo colegas de faculdade.

Muito tempo se passou e, cumprindo a lei da natureza e da vida, perdemo-nos um do outro, perdemo-nos nessa 'vida louca, vida'. Desde então, nunca mais o vi. Quer dizer, encontrei-me com ele coincidentemente durante uma volta dos Barris rumo ao Rio Vermelho, onde sempre terminávamos a nossa farra do dia. Durante a curta viagem de ônibus, falamo-nos rapidamente, cujas perguntas saíam azafamadas e as respostas, incompletas. Hoje, sinto saudades daquele tempo, onde era muito fácil viver, deslumbrar-se com o outro e com a própria vida. Não sei se, por culpa do entorno cruel de alguns problemas inevitáveis, ou por qualquer outro motivo, sinto-me diferente daquela criaturinha recém universitária, que acreditava poder fazer mudanças positivas para a sociedade, para o mundo, para o seu mundo. Às vezes eu gostaria de encontrar-me com ela, nem que fosse por poucos minutos. Perguntaria, principalmente, por onde ela andaria, porquanto, desde então, nunca veio a visitar-me novamente.

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