Folia certamente é um espaço virtual e gigantemente distante do meu mundo agora. Virá impávido, será cálido e inválido toda essa virtude de querer uma alcatéia de palavras vãs. Eu quero agora é estar, ser um não-dito, um palavrão aflito vagando pelo céu da boca de um vaga-lume. A ira realmente é a piedade que os homens tem de si mesmos.
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Vagando na escuridão deserta de uma noite cheia de estrelas distantes, vi a penumbra de uma alma fria a vagar na imensidão. Pelos gestos, um homem; pela divindade da pele negra, um pecador hilário e condescendente com o mistério do planeta. Salvar o mundo é tudo um ilusório afã gratuitamente frígido. Um deus quer é ser visto. Eu, propositadamente, quero o espaço morto e infinito, acima das cabeças pensantes que acham que o mundo é simplesmente um instante de anos e acontecimentos findos. Peço por crer numa via-láctea, cheia de mornos e róseos lactobacilos energizantes e vivos.
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Eu tinha um árduo desejo de chupar resina. Aquela mesma colhida nos pés de alguma árvore cinza e feia, como minha infância infantil pintara nos moldes do pensamento longínquo. Eu estava ali, a chupar resinas, cheias de um mel esquisito, que não era doce e nem amargo, era um meio termo de açúcar inexplicável e implacavelmente gostoso. O mundo, naquele dia, fez-se perigoso e azedo. Eu fui catar resinas. Não sabia se era perigoso perder-se em pés cinzas, cujos caules caíam sobre nossas cabeças em formas geometricamente imensuráveis. Na casa da "bisa", os baldes eram doces. Mais calmos ainda que no começo da jornada. E aquilo tudo que colhíamos era, simplesmente, simples, sem muito a oferecer, com o gosto mais da boca que chupava, do que propriamente o objeto colhido e docemente inofensivo. Minha boca era doce. Era tanto quanto eu chupava os geométricos disformes e açucarados caules em minhas mãos sujas de barro e sonho.
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Nunca mais o vira em tantos anos após beijos e lençóis encobrindo as carícias infantis de suas mãos. Ele, meu primo. Meu primo de carne, osso e tentação. Ele era lindo em sua beleza mais distante que de quaisquer outros olhos acostumados com muitas coisas. Eu o beijava facilmente. E tinha por ele mais que outro sentimento de angústia e desespero. As férias eram curtas e, pelo nosso pesar infame, estávamos fadados ao desalento. Nunca mais o vira. Uma pena, pois era sempre bom o estar e o desamor de lençóis encobrindo um leito por onde a inocência era realmente o gosto bom daquelas tardes.
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Um comentário:
A prosa é doce e ainda assim não parece uma prosa poética, como as Iluminuras do Rimbaud, mas é bem mais mole que a prosa um tanto dura do José de Alencar, que detém 37,8% do respeito que tenho por qualquer autor. Não li as outras coisas que você escreveu, mas tenho impressão de que encontrarei este diário, como um baixo contínuo (vide barroco, na música), aquele pedal incessante e sem pressa, entremeado de crueza e untado com um pouco de confusão. É sincero, inesperadamente sincero. Algumas pessoas teriam sérias dificuldades para entregar o link de um blogue desta natureza durante uma aula de AC. Obrigado.
Visitarei mais. Um abraço!
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