quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Ser médico.

É "não" estar do outro lado. Na verdade, não sabemos nada sobre quem entra.
Prontuários com palavras técnicas não dizem sobre o paciente que te espera.
Não dizem sobre a pessoa que está por detrás da doença ambulante.
Muitos têm a atitude de ir sentando, dizendo o seu sofrer e penar;
outros, aguardam envergonhados o sim do - por favor, fique à vontade;
alguns olham para o chão, poucos encaram;
a maioria tem olhos tristes, cansados, doridos.
Nós quase nunca sabemos sobre a vida, se sofrida ou alegre,
se vivida ou apenas cumprida,
de quem vai e vem nas filas dos postos e hospitais.
Só sabemos que eles vão, por alguma bobagem ou coisa séria,
com a recente ou crônica estranheza do seu corpo, mente ou alma doentes.
Eles querem somente entender o porquê da desconfiança pelo
mau funcionamento das juntas, estômago ou pensamento.
É o que querem. Querem apenas entender.
Mas, a maioria não compreende, sequer tem noção do que se passa, mesmo
tentando atingí-los com o coloquialismo que não aprendemos em escola alguma.
Porque, às vezes, não existe tradução para quem não conhece a própria língua.
Não há como entender. Não há como se fazer entendido.
E isso dói. Porque imaginamos a angústia do inteligível, do medo da morte e da deficiência.
E é só um porquê. E é extremamente difícil explicar. Muitas vezes impossível.
Mesmo assim, continuamos a rotina, auscultando, percutindo, ouvindo a história
que muitas vezes parece impossível, outras vezes parece paranóia e, ainda outras,
se encaixam perfeitamente em algum diagnóstico pronto nas nossas cabeças pensantes.
Depois, escrevemos, anotamos tudo, numa outra linguagem, traduzindo mais uma vez
algo que parecia simples e inofensivo, que às vezes ganha um significado cruel e amargo;
prescrevemos, carimbamos, assinamos: nos responsabilizamos pelo ato de diagnosticar e
tratar e instruir, somente com aquela história, com aquela ausculta e percussão.
Solicitamos exames, outras opiniões médicas, resolvemos casos e encaminhamos as pessoas
para uma outra fila, para uma outra jornada de um outro consultório, de um outro hospital.
A sensação que temos é que poderíamos fazer mais. Mas, muitas vezes, é quase impossível
fazer tudo que se quer, pois a vida, a morte, o pesar, as dores e os amargos da jornada
são ininterruptamente complexos e nós, nós somos apenas um em um grande consultório
de quatro paredes, com um estetoscópio na mão e muitas idéias na cabeça.
Infelizmente, somos apenas um, apesar dos sonhos.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Alento.

O pensamento é forte, exato, e imperfeito.
Prende-me ao futuro inexistente,
à quimera imprudente e itinerante:
sofro-me por querer, por sentir-me completo
com esse pensamento impaciente,
querendo concretizar-se, aparecer-se.
O que mais questionar ao universo?
Tantos porquês ridículos, jogados à ventania
da inconstância do meu querer.
Viajo, abro-me, apesar de tudo,
ao infinito desejo da minha alma romântica,
sendo-me em outro plano tudo o que ela quer.
Ó, almazinha de primaz suicídio, de burrice incessante!
E o pior do que não saber-se, é agarrar-se a algo
tristemente lúcido e torto, como se fosse coisa torta junto.
O pensar é forte; o pesar, o estrupício, o arreio da minha alma.
Acredito nele como se fosse meu veneno de vida e morte,
como se houvesse não mais que esta saída para a felicidade
e plenitude que a aguardam em um universo paralelo que nunca virá.
Quantos mais porquês terei de prescrutar até
virar-me o pó de que sou feita para, finalmente,
achar a resposta para tudo isso?

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